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A ARTE DAS ESCOLHA

RPT.pt

2003

Apenas algumas semanas. Uma casa de família ali para os lados do Rio de Janeiro. Cães e gatos a correrem pela casa. Um microfone. Um PC equipado com a última versão do Pro Tools. Os putos a chamarem a toda a hora. O telefone a tocar. Um leque de músicas populares brasileiras escolhidas com muito toque pessoal. Mais umas quantas músicas do mundo a dividirem as atenções. A escolha das pessoas certas para contribuir com o seu talento e trabalhar com os Metrô. Eis “Déjà-Vu”. E acredite, o título só engana...

À primeira vista (e escuta) o álbum pode receber imediatamente o título de remix electrónico de música brasileira. Ponto final. Parágrafo. E daqui poderíamos partir para um incomensurável número de álbuns em oferta nas montras das lojas ou até nos anúncios da TV. Para além da percepção errónea, ter-se-ia perdido, infelizmente, a oportunidade de testemunhar mais do que um óptimo álbum de música brasileira – um álbum do mundo.

Quando alguém lança um álbum em parte assente no tratamento e ‘remixagem’ de canções previamente criadas por outros, é inegável afirmar-se que parte do sucesso passará, sempre, pelas escolhas feitas. Quer isto dizer que: escolham-se as músicas certas e é meio caminho andado para se chegar a um álbum cativante. Retoque-se cada faixa com aquele toque pessoal e único e ofereça-se-lhe uma nova dimensão e temos, incontornavelmente, um grande álbum. É um pouco isto que acontece com “Déjà-Vu”, dos Metrô.

Escolhas pessoais

Os Metrô apresentam criações suas a meias com muitas outras recriações. Estas últimas prestam homenagem a nomes como Caetano Veloso, Arto Lindsay, Herbert Vianna ou ainda “Every One Is Wrong But Me”, popularizada por Ella Fitzgerald. Mas não se pense que o trio composto por Virginie, Dany Roland e Yann Lao volta de uma separação de 17 anos apenas para dar uns retoques numas quantas faixas pessoalmente marcantes.

“Johhny Love” é a noite chuvosa de uma cidade cosmopolita transformada em música. O canto apaixonado e dolente. Quando a perdição se faz canção e se adora acompanhar em sussurros distantes. Mas a provar o eclectismo dos Metrô segue-se “Rapaz da Moda”, com incursões jazzísticas e a contribuição enérgica nos coros pelas vozes da cozinheira, da ‘bábá’, das amigas e de mais umas quantas pessoas que visitavam a casa e os Metrô naquele dia.

Mas claro que há mais. “Resemblances” lembra o último trabalho de Allison Goldfrapp. E quanto à delicada e adorável “Sândalo de Dandi”, revela uma electrónica quase amadora ao serviço da voz meiga de Virginie que vai enlevando quem ouve e roçando aquela fímbria da eterna tranquilidade celeste. Sem dúvida uma das mais belas conquistas de “Déjà-Vu”.

A arte da escolha

De facto, a arte da escolha encontra um fiel exemplo em “Déjà-Vu”, onde até os colaboradores e amigos convidados para os remix’s finais reinventam e fazem renascer temas que os próprios Metrô já exemplarmente haviam explorado, como “achei bonito” ou a própria “Déjà Vu”, a fechar o alinhamento oficial do álbum.

A faixa homónima exibe pelos Metrô um virtuosismo q.b., a misturar samba com laivos de guitarra e muita electrónica (pelos segundos iniciais quase diríamos que aí vinha Jean-Michel Jarre). Quanto ao remix, pelos Apollo 9, dilata a sonoridade dos anos 80 e mistura-a com os laivos electrónicos e a noção rítmica da dance-music dos anos 90. Venha o diabo e escolha.

Escolha-se

Com “Déjà-Vu” os Metrô oferecem um trabalho que demonstra bem a importância das escolhas, do bom-gosto, da subtil arte de servir em doses certas cada pedaço do Brasil com a restante panóplia de sons e influências dos 4 cantos do globo. Ouvir “Déjà-Vu” é, do mesmo modo, uma óptima escolha para qualquer hora fria e soalheira, quente e chuvosa, escura ou luminosa, mais clara ou mais nebulosa. Na verdade, não se trata de música brasileira. Isto é música. Ponto final. E música como esta toma-se em qualquer altura.

A simplicidade é a maior prova criativa em qualquer arte, e ainda que os Metrô não a alcancem na forma mais pura em todas as faixas, “Déjà-Vu” recheia-se ainda assim de vários exemplos para quem duvidava da imprescindibilidade deste álbum nas escolhas do ano. Eu era um deles. Repito: era.

(Ricardo Jorge Tomé)

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