OLHAR

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UM METRO DE SIMPLICIDADE

Public Online

12/03/2004

"Esse é um CD literalmente caseiro. Gravámos em casa com nossas crianças brincando em torno de nós, cachorro latindo, telefone tocando, usando um Pro Tools e um microfone." A descrição podia vir de um grupo "grunge" sem especial empenho na carreira mas vem, pelo contrário, de músicos com largos anos de experiência e apaixonados pelo seu trabalho. E as palavras, escritas num texto promocional, são de Dany Roland, um dos protagonistas desta história. Os outros dois também têm nomes franceses: Virginie Boutaud e Yann Laouenan. Os três formaram, com outros dois músicos (Zaviê e Alec), um dos grupos brasileiros de sucesso meteórico nos anos 80: os Metrô, agora renascidos passadas duas décadas.

Em conversas telefónicas cruzadas, Dany e Virginie, ele a partir do Rio de Janeiro e ela de Maputo (a vocalista dos Metrô, casada com um diplomata, já morou em França, Namíbia e agora está em Moçambique), explicam essa e outras partes da história. "A experiência começou na escola, quando fazíamos música por diversão mas levada muito a sério", diz Virginie, que nasceu no Brasil três meses depois de os pais, ambos franceses, ali terem aportado. Na escola conheceu Dany, nascido em Buenos Aires e trazido para o Brasil com um ano; e Yann, que ali chegou com 15 anos. Ambos, como ela, de ascendência francesa. Conheceram-se num colégio onde se falava francês das 8 da manhã às 4 da tarde, como Dany relembra: "Tínhamos um interesse comum na música, no rock, ouvíamos Led Zeppelin, Pink Floyd e depois Blondie, Talking Heads, Television, Lou Reed. Fomos muitos influenciados pelo rock inglês e americano mas também pela música brasileira: Caetano, Gil, João Gilberto, Mutantes, Novos Baianos." Isso levou-os primeiro a formar um grupo chamado Gota Suspensa, em 1979, que gravou um disco em 1983; e só depois os Metrô, em 1984, que gravaram um single ("Beat Acelerado") e dois LP: "Olhar", em 1985; e "A Mão de Mao", em 1987, já com Virginie substituída nos vocais por Pedro d'Orey, que em Portugal fez parte dos Mler If Dada e está ligado ao projecto Wordsong.

De ascensão meteórica, o grupo desfez-se em poucos anos. Até que... "Foi-nos sugerido retomar a linha do Metrô tal como existia em 1985", diz Virginie. "Um produtor convidou-nos para gravar um DVD com um show ao vivo. Podia ser interessante uma releitura, mas quando nos encontrámos percebemos que já não somos aquelas pessoas. A nossa vivência mudou muito: somos pais, somos quarentões... O tempo faz-nos passar por sofrimentos, por alegrias, por descobertas quotidianas e o nosso universo cresce. Musicalmente, podemos assumir agora um gosto mais ecléctico. E isso também vem com a maturidade."

Sem nostalgia. Por isso, em lugar de recriarem o grupo sem convicção procuraram na memória de cada um aquilo que da música a sua vida retivera. "Não havia um clima nostálgico, foi como se fosse uma coisa nova", diz Dany. Mas as canções (o CD tem 78 minutos!) vieram de várias épocas e autorias, desde Jorge Benjor ("Que nega é essa?") até Caetano ("Coração vagabundo"), passando por Herbert Vianna ("Mensagem de amor"), Ataúlfo Alves ("Leva meu samba"), Ary Barroso ("Aquarela do Brasil"), Chaplin ("Every one is wrong but me"), Charlie Haden ("Silence") ou Arto Lindsay ("Resemblances"). Virginie justifica a escolha: "A melodia e a letra dessas músicas continuam muito actuais. Fazem parte do dia a dia, não chegam a ser passado. São eternas, digamos assim. E o Dany, que é uma pessoa muito ligada ao que se faz no planeta, tanto nas raízes quanto no que se faz de mais moderno, conseguiu uma linguagem muito ecléctica, onde mistura sons de épocas nostálgicas com sons totalmente actuais ou mesmo futuristas. Então isso tira essa aura de nostalgia."

Sobre as gravações, recorda: "Começámos a pensar neste disco à distância, encontrámo-nos uma semana na casa de Dany, no Rio, e foi ali que gravámos vozes em quatro ou cinco músicas que já tinham uma base esboçada. Mas todas as outras foram gravadas 'a capella', simplesmente com a voz e uma levada de bateria ou um violão. Depois Dany e Yann trabalharam durante nove meses num estúdio caseiro, em computador, no ProTools, produzindo o disco."

Sem nenhuma pressão nem compromisso, o CD foi nascendo. Como um divertimento. Como na escola, mas muitos anos depois. Porquê? "Porque queremos!", diz Dany como razão única para ligar o microfone (um só, que serviu para gravar todos os sons). "Com editoras não ia dar certo. Cheguei a mostrar para alguns produtores de multinacionais mas eles não entenderam absolutamente nada. Nem se interessaram."

Amigos e sobras. Mas os amigos interessaram-se. E trouxeram companhia. Veio Preta Gil (a filha de Gilberto Gil), completar a letra de Ary Barroso que Virginie por lapso deixara incompleta; veio Lucas Santtana, guitarrista baiano; veio Jorge Mautner que trouxe Nelson Jacobina, seu parceiro histórico de múltiplas canções; e veio Otto, que trouxe outro histórico, Wally Salomão. Sem editoras a empurrar, apenas por amizade. Dany, de novo: "Eu e Lucas Santtana tocámos várias vezes, com uma banda chamada Good Night Varsóvia, formada pelo Moreno Veloso, Kassin e Domenico. O Jorge Mautner foi meu professor de filosofia. Quando o Metrô acabou fui trabalhar em teatro e quando estava a fazer 'O Homem sem Qualidades' do Roberto Musil, o Mautner vinha dar-nos aulas de história e filosofia. O Jacobina é meu vizinho, mora a um quarteirão da minha casa, mas nunca tive coragem de o abordar. O Wally Salomão, sou fã dele. Do Otto também, desde o primeiro disco."

Há vinte anos, porém, as coisas não eram tão fáceis. "Antigamente, para se gravar um disco, era obrigatório ter um produtor que acreditasse em nós, ou nascer milionário ou conseguir um contrato com uma gravadora", diz Virginie. E Dany acrescenta: "Na nossa época, só uma minoria fazia música independente. Havia um nucleozinho em São Paulo, a Lira Paulistana, com Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e outros, que conseguia gravar. Mas não havia mercado para grupos pop, rock ou jazz; só para a MPB e os grandes cantores como Bethânia, Chico Buarque ou Caetano. Hoje é uma loucura, toda a gente grava os seus discos em casa, há muitos selos independentes e há público para isso."

Das sessões de "Déjà Vu" sobraram 15 músicas, entre elas uma de Serge Gainsbourg, duas cantadas pela jovem Cibelle (que fez a letra) um hip-hop de parceria com Lucas Santtana, instrumentais ainda sem letra e alguns inéditos. Isto significa outro CD? Virginie ressalva: "Podemos fazer outro disco da mesma maneira, mas talvez não do mesmo género. Há muito material já pronto, mas depende de uma certa disponibilidade, até financeira."

Para já, os Metrô farão uma pequena digressão pelo Brasil e pela Europa, já em Abril: "Temos convites para tocar em São Paulo, no Rio de Janeiro e duas noites em Londres. E temos um plano para tocar em Paris e também em Portugal." Depois da estreia em Maputo (foi lá o lançamento mundial do disco), o palco não os intimida. Virginie resume assim o que julga essencial, no palco ou em disco: "Procurar a simplicidade, a música pela música."

(Nuno Pacheco)

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