OLHAR

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METRÔ

"O Metrô de hoje é um encontro de amigos em minha casa"

Ruídos

10/2003

(Rodney Brocanelli)

Ainda está para ser escrita a análise definitiva sobre esta onda que trouxe de volta à ativa várias bandas do rock brasileiro dos anos 80. Porém, é possível tirar algumas conclusões rápidas a respeito desta tendência. Parte dos conjuntos resolveu reaparecer exclusivamente de olho nos bolsos de antigos e novos fãs, casos de ... e ... (ora, você, amigo leitor, sabe quais são). Não que não tenham sido bacanas em seu tempo, mas hoje vivem de fazer acordos com a MTV para lançar acústicos e apresentações ao vivo e, com isso, arrecadar alguns trocados. Mas se existem bandas cujos retornos têm intenções puramente comerciais, outras ressurgem por acharem que ainda há algo a dizer em termos artísticos e são bem sucedidas neste intuito. Neste caso se enquadram o Fellini, com seu maravilhoso "Amanhã é Tarde", e o Metrô, que surpreendeu muita gente ao lançar no ano passado "Deja vu".

O Metrô foi um fenômeno na década de 80. Seu disco (sim, disco) de estréia, "Olhar" (1985), foi um sucesso absoluto. Dele saíram pelo menos cinco hits: "Olhar", "Cenas Obscenas", "Tudo Pode Mudar", "Sândalo de Dândi" e "Johnny Love", que se somaram a "Beat Acelerado", o primeiro sucesso lançado em compacto, e "Ti-Ti-Ti", que foi trilha sonora de novela da Globo. O som do Metrô é simples de ser definido: uma mistura de sintetizadores com guitarras, trazendo ecos de rock progressivo e com pitadas de muito pop. Essa fórmula deu certo até demais, mas não garantiu longevidade à banda. A vocalista Virginie saiu numa fase de plena popularidade, culminando no fim da banda; porém, não sem antes lançar um bom, mas incompreendido, álbum chamado "A Mão de Mao" (1987).

O tempo passou e cada integrante foi para o seu lado, mas a fama do Metrô acabou atravessando os anos, angariando novos fãs mesmo com pouca divulgação nas emissoras de rádio. Tudo caminhava para que a banda fosse apenas uma boa lembrança nos toca-discos remanescentes dos anos 80, mas eis que de repente surge "Deja Vu". Se na década de 80 o Metrô corria a toda velocidade, no Ano Zero eles ressurgem mais tranqüilos, contemplativos, lúdicos até. Como define bem o baterista Danny Roland: "O Metrô de hoje é um encontro de amigos em minha casa". E que amigos, entre os quais se destaca o poeta Wally Salomão, que recentemente nos deixou.

Nesta entrevista feita por e-mail (mas totalmente verdadeira), Roland fala um pouco mais sobre este novo trabalho, faz comparações sobre as duas fases da banda, revela influências de Belle & Sebastian em uma das faixas, e aproveita para falar sobre o Fernandinho, conhecido personagem de um comercial de sucesso exibido na tv há uns 17 anos. Agradecimentos especiais a Silvana Castro, responsável por uma página-tributo muito legal na Internet e que merece ser visitada: http://www.geocities.com/metro_br.

Ruídos: De quem partiu a idéia de se reunir novamente o Metrô?

Danny Roland: Queríamos trabalhar juntos há anos...Chegamos a gravar juntos em 1992 em Bruxelas (The Passengers/Adrenaline Records Bélgica 1992). Em 2001, Virginie, Kassin (Moreno +2) e eu tínhamos um projeto de gravar músicas cantadas em japonês e em várias línguas. Foi quando Luis Carlos Maluly (produtor de Olhar e Mão de Mão) nos procurou querendo nos encontrar e nos propondo a volta do Metrô. Fui até SP, onde nos encontramos (Yann, Alec, Zavie, Maluly e eu, já que Virginie vivia na França havia anos e estava de mudança para Moçambique na África) num agradável jantar no La Tartine. Marcamos de nos encontrar um mês mais tarde, o que de fato aconteceu, mas o encontro musical não rendeu. Passamos o dia botando a vida em dia e conversando, mas na hora de tocar ficávamos só conversando e rindo. Foi ótimo, mas não rolou. Dois dias depois, Alec me disse que não estava a fim. Eu também achei aquilo tudo meio estranho porque pra mim não existe volta. Como dizia o poeta: "o tempo não pára". E ficou por isso. Dois meses depois (Janeiro 2002) Yann me ligou querendo fazer alguma coisa. Falei pra ele vir ao Rio, onde moro. Três dias depois estávamos gravando Mensagem de Amor e o resto foi muito rápido.

A escolha do repertório, como se deu?

Mandamos um CD com as gravações pra Virginie na França, que adorou e mandou ótimas sugestões. Zavie veio várias vezes ao Rio e nos ajudou muito com seu humor, anarquia, ironia e incrível musicalidade (ele é de longe o melhor músico entre nós). Mandamos um CD para o Maluly e para algumas pessoas interessadas de gravadoras. Não entenderam ou não gostaram. Queriam o Metrô exatamente com o som dos 80, o que para nós era impossível. Estávamos interessados em outras linguagens (Adoro "Olhar", mas fazer as mesmas músicas do mesmo jeito...). Pra começar, em nenhum momento pensávamos que estávamos gravando o novo disco do Metrô: não tinha o peso da volta do Metrô etc.

Como foi o clima de gravação e mixagem de "Deja vu"?

A gravação correu muito tranqüila, num clima muito carioca em Santa Teresa, numa paisagem bastante bucólica, Corcovado, bonde passando, anos-luz dos tempos urbanos (muita droga, sexo e rock'n roll) do Metrô nas frias noites paulistas. Escolhemos o repertório que tinha importância na nossa história, de nossa infância e juventude. Yann foi um grande parceiro.

"Sândalo de Dândi" foi regravada, segundo o site oficial da banda, "pensando em Belle & Sebastian". Explique um pouco mais essa influência.

Minha filha Clara é louca por Belle & Sebastian (aliás, todos em casa são) e tem uma música que ela ama: "Sleep The Clock Around" (do "The Boy With The Arab Strap"). A harmonia é a mesma de Sândalo. Então, sabe como é criança (N. do R.: ela tem 4 anos), quer ouvir a mesma música 20 vezes em seguida. Então acabávamos cantando Sândalo em cima. Na hora de gravar, coloquei no Pro Tools um loop de "Sleep ..." e ficávamos tocando em cima. E assim a gravamos em cima deste BPM.

Fale um pouco mais da participação de Wally Salomão numa das músicas.

Sempre admirei Wally. Era um gênio. Uma referência (Gal Fatal é uma das melhores coisas já produzidas). Parecia um garoto (estava sempre tão alegre e positivo, tão disponível) e ao mesmo tempo um sábio (e sem ser pretensioso! super humilde!), um homem culto e MUITO bem humorado. Um grande poeta e pensador e, como se não bastasse, para minha surpresa excelente cantor. Chegou em casa com Otto, ouviu "Deja vu" e começou a cantar (eu e Yann quase caímos pra trás). Ligamos o microfone e ele cantou com aquela voz linda que só preto velho (e baiano!) tem. Nos divertimos pra valer nesta tarde com Otto e Wally. Vai deixar muitas saudades.....

"Deja vu" tem potencial de mercado no exterior, especialmente na Europa?

"Deja vu" tem sido muito bem recebido lá fora. A Trama exportou algumas centenas de exemplares pra França, que já esgotaram. E existe interesse de licenciamento em alguns outros países (Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha e Japão). São convites para coletâneas lounge etc, mas estamos batendo pé para lançarmos o disco INTEIRO.

Fizemos uma exceção e liberamos "Mensagem de Amor" em Portugal na coletânea "Divas do Brasil" (acho que Virginie não poderia faltar!).

Qual foi o motivo que os fez recusarem várias propostas vindas de gravadoras para lançar material baseado no projeto "Acústico"?

Como já disse antes, tinha que ser algo autêntico, prazeroso pra nós e não pra indústria. Não nos sensibilizamos com algumas ofertas, entre elas a de fazer um show do Metrô com os arranjos originais de todas as músicas antigas e lançá-las em DVD etc. Achamos tão deja vu. Também não nos sentíamos à vontade de fazer um projeto ao vivo. Estávamos longe deste "negócio" há quase 20 anos (!!!). Queríamos privacidade.

Nos devíamos este disco. Quando começamos o "Deja vu" não era Metro. Era só eu Yann e Zavie em casa experimentando música, nos divertindo, não tínhamos compromisso com nada e com ninguém. Virginie veio ao Brasil, onde passou uma semana, com a familinha, e nos trouxe ainda mais alegria com seu talento, graça e espontaneidade de sempre. Foi como se nunca havíamos parado de trabalhar juntos um minuto nestes anos. Felicidade.

Como você avalia as críticas à "Deja vu"? A proposta desse trabalho foi bem compreendida pelos jornalistas? E como foi a repercussão junto às emissoras de rádio?

As críticas em geral foram ótimas. "Deja vu" foi muito bem recebido e compreendido pela imprensa escrita. Já nas rádios não teve nenhuma repercussão. Mas também não tínhamos nenhuma expectativa. Estamos tão felizes com o disco. Ele está exatamente do jeito que queríamos. Foi extremamente prazeroso produzi-lo. E ainda por cima a Trama foi e tem sido uma parceira fantástica.

Vocês pretendem sair em turnê pelo Brasil? Qual seria a principal dificuldade em fazê-la?

Em março fizemos shows na África em Maputo , Moçambique no Centro Cultural Franco-Moçambiquano, lindo e lotado (tem capacidade pra 600 pessoas). Temos recebido vários convites para tocar na França. Mas a nossa maior vontade é de fazer shows no Brasil.

Existe a idéia de se lançar um segundo CD dessa nova fase?

Com certeza haverá continuação enquanto for prazeroso e divertido. Gravamos com músicos africanos quando estivemos em Moçambique. E temos pensado e gravado material para um próximo disco pra quem sabe em 2005.

Você disse numa outra entrevista que "o Metrô não teve absoluta importância". Continua mantendo essa opinião mesmo após a repercussão boa da volta entre os fãs que acompanhavam a banda na década de 80?

Sim. Continuo achando. Sou muito crítico em relação ao Metrô. Acho que com a história que tínhamos juntos não dá pra ser diferente. Ficamos devendo. Não demos continuidade. Fizemos um bom disco pop e só. Não tem a menor importância.

O que você, Virginie e Yann estão fazendo, enquanto a turnê não sai?

Virginie está em Moçambique neste momento vivendo a vida. Toca violão e canta todos os dias. E vai muito à África do Sul no Kruger fazer safaris (só pra olhar os animais).

Yann voltou pra SP, onde está montando seu estúdio e tocando com vários DJs. Vivo no Rio há 10 anos onde sou sócio de uma produtora (BD). Produzimos vários eventos artísticos. Estou tentando terminar meu segundo longa metragem (Maria), e fazendo algumas trilhas sonoras. E tentando viabilizar esta tournée do Metrô no Brasil.

Muitos fãs perguntam pelos trabalhos antigos, principalmente Olhar. Sabe se a gravadora pretende relançá-lo? O que acha dessa idéia?

Acho que seria ótimo o "Olhar" estar em catálogo, mas ele pertence à Sony e só eles sabem se existe a intenção de um dia colocá-lo a disposição. Sei que é difícil, mas acho que tudo tem que estar em catálogo, senão fica um país sem memória e portanto sem história. O que tem de obra-prima fora de catálogo no Brasil! Você só encontra em edição japonesa.

Compare o Metrô de 1985 e de 2002/2003.

Não há a menor comparação. São 2 mundos... "Olhar" é o resultado de anos de uma BANDA (começamos em 1978). Resultado de anos de batalha, de muito som (tocávamos 10 horas ou mais por dia, pra desespero dos vizinhos da Vila Mariana), shows, gravações, enfim, de uma época de descobertas e conquistas de cinco garotos que cresceram juntos. Somos como irmãos. Vivíamos juntos. A banda era nossa vida 24 horas por dia. E tínhamos vários sonhos juntos. Foi uma época maravilhosa e uma dura, prematura e traumática separação. O Metrô de hoje é um encontro de amigos em minha casa. Cada um com a vida feita. Pais e mãe de família. Alegria. Comunhão. Maturidade. O Serginho Groisman definiu bem quando fomos lá: "Vocês eram o Metrô e viraram os Novos Baianos?!", tal o "entourage" de crianças e adolescentes que chegou junto conosco, e olha que faltaram os 3 do Zavie e 2 do Alec! Também o mundo mudou então gravamos tudo em casa mesmo. Não teve um ensaio sequer. Foi ligar o Pro Tools e sair gravando. Depois editamos e mixamos.

As pessoas na rua ainda se lembram de você como o Fernandinho dos comerciais da US Top?

Fernandinho... Raramente alguém lembra. Um dia, há algum tempo, aconteceu algo engraçado: estava no Zôo e fui cercado por uma multidão de crianças (uma excursão colegial) que queria autógrafos e tirar fotos etc. Fiquei meio sem graça. Eram tão pimpolhos e o comercial fora do ar há tanto tempo. Não entendi nada na hora, nunca tinham me visto, mas todos me abraçavam como se fosse um velho amigo, o Fernandinho. Deve ter ficado no inconsciente coletivo. Adoro crianças e fiquei muito feliz com o carinho delas.