OLHAR
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do Metrô
BATE-PAPO
DÉJÀ VU
O
Povo
04/01/2003
Eram anos
de gel e cabelo espetado, ombreiras, cores ''chocantes''. Mas isso é
só a superfície. Para Virginie, vocalista da banda Metrô,
muito mudou no Brasil desde a década de 80. Foi quando as fronteiras
se abriram, política e culturalmente. Por causa daquela época,
até os homens ficaram mais livres para se empetecar.
(Thaís
Aragão)
Sabe
aquela banda que gritava o nome de Johnny Love? Pois é. A volta
do Metrô era tão improvável que gerou uma das melhores
surpresas do ano, extrapolando o quesito revival. Déjà-vu
era o nome do projeto antes que o trio (outrora quinteto) se decidisse
por usar a velha alcunha de guerra. Então, Déjà-vu
ficou de título do álbum, feito independente e distribuído
pela Trama.
Nele, desaceleraram
o beat nas regravações de seus sucessos, caetanearam trazendo
versão para ''Coração Vagabundo'' e anexaram alguns
remixes de faixas que já tinham sido moduladas ao sabor da eletrônica
ali mesmo. Tem de Ataulpho Alves e Ary Barroso a Jorge Ben e Herbert Vianna.
Participaram
Jorge Mautner, Otto, Nelson Jacobina, Preta Gil, Waly Salomão, além
da criançada cearense do reisado infantil da Vila Bela Vista e da
Rádio Casagrande Museu do Homem Kariri. É que Dany Roland
veio por aqui por volta de 1995, para a produção de Crede
mi, filme de sua esposa Bia Lessa. Nas andanças, gravava tudo que
lhe soasse especial.
O retorno de
uma representante mór da nossa new wave tão inspirado nos
sons brasileiros pode ligar o desconfiômetro. Mas só daqueles
que não sabem que os então garotos da banda pegavam ônibus
interestadual para ver shows dos Novos Baianos. Ou que ''Beat Acelerado''
foi composta como bossa nova. Ou ainda que a voz pequena de Virginie foi
elogiada por João Giberto.
O Metrô
volta aos trilhos quase underground. Mostrado numa grande gravadora, Dany
ouviu alguém lhe dizer que era das piores coisas que já tinha
ouvido. Desinformação, falta de sintonia. Revival sequer
é a melhor palavra para caracterizar um disco que evoca Bjork e
Belle and Sebastian para cantar brasileiro. E se é para lembrar
os anos 80, que seja nas reminiscências faladas pela própria
Virginie. Vamos deixar a música em paz.
O POVO
- Vocês eram bem jovens na época do Metrô. O que você
teria feito diferente?
Virginie
- Na época do sucesso, eu tinha 23 anos, os meninos também.
Tinha muito dinheiro rolando em volta da gente. Éramos talvez muito
verdes para ver o que estava acontecendo conosco. Era muito imediatista.
Ficou meio insuportável. Apesar de o sucesso ser muito gratificante,
tem uma solidão que vai junto. Minha mãe estava até
sugerindo que as pessoas que começassem a ter sucesso tivessem uma
assessoria psicológica. Não seria uma má idéia.
A gente viajava de terça até domingo, durante os fins de
semana fazíamos dois shows por noite. Alguns programas de tevê,
como o do Chacrinha, eram gravados no fim de semana.
OP -
Como eram os bastidores?
V -
Era uma viagem. No Barros de Alencar, tinha concurso de imitadores de Michael
Jackson. Então você tinha cinco, seis Michael Jackson nos
bastidores. Tinha um homem que imitava a Gretchen. Era um pouquinho gordinho,
usava uma coleira com pregos. Era completamente circo.
OP -
Você acha que entre os anos 80 e seu revival, houve tempo para as
gerações posteriores se manifestarem bem?
V -
Houve uma troca muito grande entre diferentes regiões do Brasil,
coisa que na época não acontecia. Havia as bandas do Rio,
ponto. As bandas de São Paulo, ponto. Depois disso, a música
do Nordeste teve grande influência no Brasil todo. Não é
cedo, não é tarde também. As bandas atuais são
a conseqüência, obviamente, do que veio antes. Ninguém
está impermeável às influências.
OP -
Pense numa banda pop como o Metrô hoje. Quem seria?
V -
Não tenho a mínima idéia. Mas eu, pessoalmente, gosto
muito do Pato Fu. Acho que eles são bem divertidos. Não sei
se eles seriam o Metrô de hoje. Sei lá... São poucas
as bandas com mulheres, talvez, não?
OP -
Na época também era assim?
V -
Tinham bandas underground, em São Paulo, no Rio, só de mulheres.
Mas era muito radical, meio Clube do Bolinha ao avesso. É normal,
porque não é muito fácil de administrar. (Risos.)
OP -
O disco novo do Metrô foi gravado em casa. Dá para comparar
esse ritmo com o da época da gravadora?
V -
Foi muito mais livre. A maturidade dá liberdade de opção.
Você viveu mais, foi obrigado a se posicionar mais vezes, acaba sendo
mais dono de sua própria verdade.
OP -
Como isso apareceu no disco?
V -
Em tudo, desde a escolha do repertório à escolha da sonoridade,
à maneira como foi feita a gravação. Foi muito urgente.
Na gravação, as tomadas foram feitas muito rapidamente. Em
80, tivemos o grande prazer de trabalhar nos melhores estúdios.
O Transamérica, em São Paulo, era um estúdio de ponta,
com o melhor material. Mas tudo isso tinha de ser revertido em um resultado
que acabava abafando a identidade da interpretação. Todas
as vozes eram dobradas, ficava sem relevo. Bom, estou exagerando também,
porque acho que a gente chegou a bons resultados. Não só
nós, como outras bandas também, como o RPM, que tinha trabalhado
como o mesmo produtor, o Luiz Carlos Malury, e gravou um disco super legal
como o Rádio Pirata. O Ultraje a Rigor não procurava tanto
a qualidade técnica. Havia estúdios menos bem aparelhados
que permitiam fazer sons mais rock.
OP -
Vendo de longe, como você explicaria os anos 80 aos que eram muito
novos para vivê-los?
V -
Os anos 80, para mim, foram os anos da abertura. A gente começou
a poder expressar mais livremente o que pensava. Não que fosse uma
preocupação do Metrô, mas digo em geral. A censura
deu uma relaxada. Era difícil imaginar que antes disso fosse proibido
falar de algumas coisas em canções e livros. Era proibido,
era perigoso. Segundo, foi uma abertura política também.
As Diretas Já foram uma festa, uma euforia. Em terceiro, eu diria,
foi a abertura do mercado. A entrada das coisas de fora foi enriquecedor
para o Brasil, que estava meio que parado no tempo. Não tinha concorrência
nem influência suficiente para que o País desse esse pulo
imenso que deu. Quando volto, vejo um Brasil primeiro-mundíssimo.
Tirando, lógico, algumas diferenças sociais difíceis.
Mas os anos 80 foram o começo de um grande passo para frente.
OP -
Quais as marcas mais visíveis da década?
V -
A maneira das bandas se vestirem, com aquelas coisas coloridas, era um
canibalismo com a cultura de fora. Éramos saltitantes, com as guitarras,
baterias eletrônicas. Isso deixou uma marca sonora, visual, muito
forte. Aqueles xadrezes... Estava vendo nas vitrines de sapatos. A Arezzo
lançou uma coleção de sandálias com cores da
época. É engraçado. Amarelo limão, rosa choque
(risos).
OP -
Olhando hoje, não são de gosto meio duvidoso?
V -
É verdade, tem razão. Aquelas camisas listradas... Mas tenho
visto por aí, nos metrôs da vida, que aquilo deu uma grande
liberdade para os homens se embelezarem, pintarem o cabelo. Na época,
era o começo. Está demorando, mas pouco a pouco as pessoas
vão se assumindo, querendo fazer uma identidade visual.
OP -
Você casou com um diplomata, não foi?
V -
Casei com um funcionário das Relações Exteriores,
vulgo diplomata. A gente viaja pelo mundo, se muda a cada três anos.
De vez em quando vou a uma loja, dou uma ouvida em cinco, seis discos.
Mas confesso que minha alimentação musical no estrangeiro
é mais a música brasileira mesmo.
OP -
Por isso tanta MPB no disco?
V -
Quando a gente fica com muita saudade do Brasil, a música é
uma boa maneira de voltar. Em termos de novidade, na França há
poucas coisas que me emocionam tanto quanto a música brasileira.
É uma das coisas mais lindas do mundo.
OP -
Como foi se apresentar no meio da rua, no Baixo Gávea e no calçadão
de Ipanema?
V -
Foi muito bom. Eu pirei! Faz muitos anos que pus uma pedra no assunto e
não pensava mais em me apresentar. Foi muito emocionante. Engraçado
porque ficamos lá tocando as músicas do disco novo. Algumas
pessoas fazendo cooper nem olhavam, algumas olhavam e davam um sorriso,
outras faziam um sinal de amizade, outros paravam para ouvir. Algo completamente
livre. Estou adorando isso. Realmente deixa as pessoas à vontade
para escolher se querem ou não fazer parte.
OP -
Não era intenção de vocês voltar como eram antes?
V -
Não, nem tem como. Não somos nem um pouco iguais, graças
a Deus (risos). Não que eu não gostasse, mas tem essa coisa
de euforia, de busca da perfeição, uma coisa aflita e afoita
da juventude. Putz, tem que ser tudo imediatamente, forçar a barra
se for necessário, não se comemora nada. Agora, estou mais
numa fase - e acho que o Dany também - de fazer as coisas direito,
e cada momento por si é vivido completamente, sabe?
OP -
Você costuma se pegar cantando as músicas da época?
V -
Agora, de novo, sim. Teve uma época em que eu não conseguia,
porque ficava meio triste. Agora já canto bastante.
OP -
Triste de saudade?
V -
Não, não, não. Porque tinha sido dolorosa a separação.
Então era ruim porque lembrava a falta. Mas digamos que cantar ''Beat
Acelerado'' cinqüenta vezes por ano não me incomodava. É
sempre uma emoção nova cada vez que você recanta.
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